Pessoal, abaixo uma resenha do livro da Jornalista Miriam Leitão - "Saga Brasileira".
A resenha não substitui o livro, mas, é um bom resumo da excelente da obra da jornalista.
A longa luta de um povo por sua moeda
Muitos dizem o que brasileiro tem "memória curta" e que pouco aprende
com seus erros, voltando a cometê-los em pouco tempo. Se hoje temos uma moeda
estável, com inflação sob controle (baseado em um sistema de metas), e que
representa parte da grande transformação econômica vivida na última década,
muito se deve ao fato de termos passado momentos difíceis e angustiantes ao
lado de muitos planos e tentativas de estabilização monetária.
Erramos muito e, contradizendo o
ditado, aprendemos e mudamos. Miriam Leitão, jornalista premiada e referência
na área, aborda essa "travessia" brasileira rumo ao Real e à
construção de uma economia confiável. Seu livro "Saga
Brasileira" narra
em detalhes as agruras vividas pelos brasileiros diante de planos econômicos
fracassados, políticos despreparados e ideias mirabolantes (e falhas). O livro
mostra como a batalha pela cidadania e soberania terminou com o país vencendo a
inflação.
Um século de inflação
O alerta inicial de "Saga Brasileira" é direto: nossos primeiros 100 anos de
República, comemorados em 1989, foram marcados por inflação elevada (e vários
períodos de hiperinflação). Lembrando Visconde de Taunay e sua obra "O
Encilhamento", Miriam destaca o que antes não se via: "Nesses
100 anos de encilhamento à hiperinflação o país aprendeu, dolorosamente, a
lição de que a ordem monetária é a única base do progresso duradouro".
Muitos jovens não viveram o
período de inflação, um cálculo realizado pelo professor Salomão Quadros, da
FGV (e citado no livro). De julho de 1964 a julho de 1994, data do Plano Real,
a inflação acumulada, medida pelo IGP-DI, foi de1.302.442.989.947.180,00%. Isso
mesmo, 1 quatrilhão e 302
trilhões por cento. Parece piada? Não foi!
Nossa democracia é bastante
jovem, assim como é a estabilização da moeda. Ler "Saga
Brasileira", no entanto, parece nos remeter a um país
completamente diferente, antigo e despreparado. Nossa constituição tem pouco
mais de 20 anos, o Plano Real nem isso. A verdade é que o país se transformou,
mas o fez também porque sofreu com inúmeros planos econômicos e seus
desdobramentos (que serviram de aprendizado, assim me parece).
Muitos planos, muitos
problemas, mas muito aprendizado
O Plano Cruzado surgiu com Sarney em 1989 e, com o congelamento de preços, ele
logo se tornou uma esperança. Os juros quase em zero fizeram o consumo estourar
e muita gente então passou a satisfazer seus desejos represados de consumo.
Quem mexesse nos preços sofria a intervenção dos famosos "fiscais do
Sarney". Funcionou por um tempo, mas logo o desabastecimento e o ágio
passaram a fazer parte da vida dos brasileiros.
Então surgiu o Cruzado II, um
plano cujo mote era aumentar os preços de serviços públicos, mas ao mesmo tempo
descongelar os preços e deixá-los a cargo dos empresários. A ideia era enganar
mesmo, mantendo um índice de preços arbitrário que não captasse os aumentos de
preços reais. A mágica não funcionou!
"Qualquer moeda estável exige fundamentos fiscais mais
sólidos. Seria necessário, nos anos seguintes, pôr ordem nas contas públicas,
abrir a economia, desmontar oligopólios públicos e privados, incentivar a
competição, modernizar a estrutura produtiva, mudar o Brasil. A grande lição de
1986 foi que a moeda estável não se conseguiria por mágica"
Em 1987, foi a vez do Plano
Bresser, que surgiu depois de anunciado o calote na dívida externa brasileira.
A credibilidade do país perante os agentes externos era ridícula - e só viria a
ser recuperada anos depois. O Plano Bresser durou pouco e fracassou, entre
outras coisas, simplesmente porque os empresários se anteciparam a um novo
congelamento. O resultado foi a remarcação preventiva e a prática de esconder
produtos com preços que poderiam subir.
Em janeiro de 1989 apareceram o
Plano Verão e a moeda Cruzado Novo. O verão nem bem terminou e o plano foi
considerado um fracasso. Naquele ano, a inflação batia 40% ao mês, chegando a
55% no último mês do ano. O período merece um destaque especial no livro "Saga
Brasileira":
"Dar calote era um grande negócio. Vários pequenos e médios
empresários deixavam títulos irem a protesto. Assim ganhavam tempo. Nunca, como
naquela época, tempo foi igual a dinheiro. Quando quitavam a dívida no
cartório, semanas depois, podiam pagar sem correção monetária. Um excelente
negócio para quem devia"
O ano de 1989 terminou com uma
inflação de 1.782%. O alho subiu 3.471%; O azeite, 3.400%. Em 1990 viria
Collor, tão conhecido por permitir a abertura econômica do país (renegociação
da dívida externa e início de privatizações), mas também como sendo o
"caçador da poupança". Seu plano congelou as aplicações de muitos
brasileiros e colocou diante da nação uma equipe econômica fraca e
despreparada.
"Apesar de a economia ter ficado em estado de coma com o
ippon dado por aquele plano amalucado, apesar do imediato colapso do consumo, a
inflação sobreviveu ao golpe, provando que a economia é terreno de intervenções
elegantes e não de grosserias como aquela. Naquele 1990, o país teve a pior
recessão da sua história"
Mudanças estruturais entraram
em pauta
Todos os planos entremearam mudanças mais profundas, que foram realizadas pouco
a pouco. A profissionalização da gestão monetária foi um dos passos, com a
instituição do Banco Central (função antes a cargo do Banco do Brasil). O
aspecto administrativo também passou por mudanças, contando a criação de um
orçamento unificado e um sistema bancário mais inteligente (sem a
conta-movimento).
A abertura econômica, e a
consequente concorrência dos produtos brasileiros com os importados, também
teve papel fundamental na modernização de nossas bases econômicas. Vivemos por
muito tempo com incentivos sem contrapartida, ou seja, dinheiro público muito
fácil e sem exigências de qualidade e retorno ao cidadão. Neste sentido, o
Plano Collor foi um divisor de águas. Miriam aborda profundamente a questão em "Saga
Brasileira":
"Pela falta de competição de importados, os produtores locais
sabiam que podiam combinar preços e baixar qualidade. O consumidor nada podia
contra esses efeitos da economia. A inflação crônica tinha várias raízes, mas
uma, sem dúvida, era o fechamento da economia à competição externa"
Sobre a privatização, Miriam
também é enfática:
"O Brasil começou naquele tempo a desmontar um Estado que se
agigantou em áreas onde o melhor é ter o setor privado com boa regulação e boa
defesa da concorrência. O desmonte foi mostrando o quanto as estatais eram
onerosas, cabides para os políticos, e como a descuidada administração produziu
déficits, pagos por todos os brasileiros"
O Plano Real
Depois da forçada saída de Collor do poder, Itamar Franco assumiu o país e, por
indicação de Roberto Freire, trouxe Fernando Henrique Cardoso para o Ministério
da Fazenda - até então ele ocupava a pasta de Relações Exteriores. FHC fora o
quarto ministro de Itamar para a Fazenda e aquele que deu os primeiros passos
rumo ao Plano Real. A inflação em 1993 fora de mais de 1000% ao ano e era hora
de fazer alguma coisa.
Fernando Henrique, então Ministro
da Fazenda, assustou-se com a falta de informações e controle econômico do
governo. Montou uma equipe multidisciplinar e passou a elaborar o que viria a
ser o Plano Real. Participavam das reuniões e definições profissionais como
Pedro Malan, Edmar Bacha, Persio Arida, Gustavo Franco, André Lara Resende e
Clóvis Carvalho, entre outros.
O sucesso do plano dependia, em
grande parte, da atuação do governo diante da população. A adoção da Unidade
Real de Valor (URV) como padrão monetário facilitou a transição, que começou em
fevereiro de 1994. Em março, FHC lançou-se candidato à Presidência da
República. O Plano Real foi oficialmente lançado em 1º de julho de 1994.
"As estatísticas do IBGE registram o tamanho da saga
brasileira: nos 15 anos anteriores ao Plano Real (jan/1980 a dez/1994), a
inflação acumulada foi de 13.342.346.717.617,70%, em resumo, 13 trilhões e 342
bilhões por cento. Nos 15 anos posteriores ao Real (jan/1995 a dez/2009), a
inflação acumulada foi de 196,87%"
Turbulências de um país que
rumava para a estabilidade econômica
Os anos que se seguiram à adoção do Plano Real mostraram-se desafiadores. O
controle da inflação exigiu correções de rumo importantes, mas que mexeram com
diversos aspectos da nossa economia. Os bancos sofreram com problemas de falta
de transparência e gestão (muitos "viviam" da inflação) e viveram
anos complicados. Três dos dez maiores bancos brasileiros quebraram (ao todo,
30 bancos sumiram). Outros foram reestruturados, capitalizados e vendidos.
Dos 300 bancos, 100 sofreram
algum tipo de intervenção do Proer. A crise bancária gerou aprendizado e deu
origem ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), uma entidade privada, administrada
pelos bancos, e capitalizada com uma fração dos depósitos bancários. A entidade
hoje garante até R$ 70 mil por CPF em caso de quebras bancárias.
O ano de 1996 foi marcado por
voltar a ter uma inflação de apenas um dígito, fato não ocorrido em quarenta
anos. Desde então surgiram problemas com o câmbio, que era alvo de desavenças
no governo. Alguns defendiam a livre flutuação da moeda, enquanto outros eram
contra. O câmbio fixo havia contribuído para segurar a inflação, mas o calote
russo em 1998 e o clima político do início do segundo mandato de FHC aceleraram
o funcionamento do câmbio flutuante.
Armínio Fraga assumiu o Banco
Central e enfrentou a crise de 1999 liberando o câmbio, criando o sistema de
metas de inflação e propondo um ajuste fiscal inteligente. Fraga recuperou a
credibilidade brasileira no exterior e colocou em prática a tão sonhada
autonomia do Banco Central.
Lula lá!
As Eleições de 2002 foram marcadas pelo temor do mercado. Como diz Miriam em "Saga
Brasileira", era preciso que "a moeda sobrevivesse à transição
política". Apesar de membros do PT apelidarem o Plano Real de
"plano eleitoreiro", Lula decidiu focar seus esforços em manter a
política econômica e melhorá-la. As mudanças recentes mostram que o caminho da
economia estável precisa ser mantido e defendido.
Avaliação final
O livro "Saga
Brasileira" é um
livro muito gostoso de ler. Aprender mais sobre nosso país é dever de cada
cidadão, especialmente sobre tudo aquilo que vivemos e passamos para finalmente
conquistar melhoras e poder usufruí-las. O Brasil de hoje é muito diferente
daquele que originou o Plano Real. É ainda mais diferente daquele que deu os
primeiros passos rumo à democracia. Aprendemos muito, mas ainda há muito que
fazer.
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