segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os três caminhos do desenvolvimento

Roberto Campos
25/04/1999

Em seu magnífico estudo sobre criatividade tecnológica e progresso econômico, intitulado "A Alavanca das Riquezas", o professor Joel Mokyr cita três processos ou rotas diferentes de crescimento econômico: o crescimento "soloviano", o "smithiano" e o "schumpeteriano". O primeiro depende de aumentos no estoque de capital por trabalhador, o que pressupõe um esforço prévio de poupança. É o modelo convencional da teoria do desenvolvimento, à qual Robert Solow trouxe contribuições pioneiras. O segundo processo é o da expansão comercial baseado na teoria de Adam Smith de que a divisão do trabalho por meio do comércio internacional produz crescimento de produtividade pela especialização das habilidades. O surto das "trading nations" européias e asiáticas documenta a tese smithiana. O terceiro processo é o do progresso tecnológico, pelo aumento do estoque de conhecimentos, apropriadamente chamado de crescimento schumpeteriano, porque ninguém mais que Schumpeter enfatizou a função flutuante da inovação e da invenção no desenvolvimento capitalista.Esses três processos encapsulam três receitas de desenvolvimento: elevação da poupança, inserção internacional e abertura tecnológica. E as duas décadas perdidas pelo Brasil, com a estagnação econômica ao longo dos anos 80 e 90, explicam nossa extraordinária capacidade de perder oportunidades promissoras.Nosso crescimento soloviano foi prejudicado pela insuficiência crônica da poupança interna. A poupança do setor público, que ainda era positiva nos anos 70, tornou-se negativa nas duas décadas subsequentes. Hoje o governo despoupa algo equivalente a 8% do PIB. Com isso perdeu capacidade de investir. E ao sugar recursos do setor privado eleva a taxa de juros com duas consequências: pressão inflacionária e redução do investimento privado.Para escaparmos do círculo vicioso do baixo crescimento soloviano, precisamos atuar sobre as três fontes clássicas de poupança: transformar de negativa em positiva a poupança do setor público pela geração de superávits; transformar a Previdência Social num instrumento de capitalização, pela substituição total ou parcial do sistema de repartição pelo de capitalização privada, como no modelo chileno; e, num revisionismo cultural, passarmos a considerar o lucro empresarial como motor virtuoso do desenvolvimento, e não como secreção do egoísmo capitalista. "O lucro _ dizia o chanceler alemão Helmut Schmidt, numa tentativa de amainar a voracidade tributária dos seus colegas socialistas_ é o investimento de amanhã e o emprego de depois de amanhã."Altos níveis de poupança e investimentos por si só não garantem o crescimento soloviano. Basta olhar o exemplo do socialismo marxista. Foram extraídas altas taxas de poupança e investimento, mas a poupança foi devida à excessiva repressão do consumo privado (com redução do mercado). E os investimentos foram em grande parte desperdiçados pela substituição da orientação de mercado pelo dirigismo burocrático. Houve sobreinvestimento na indústria pesada e num custoso aparelho policial e militar, com subinvestimento em agricultura e serviços. O exemplo oposto é o dos Estados Unidos, que são um país de baixa poupança interna, mas eficientíssima alocação de investimentos em resposta à dinâmica do consumo. Além de o país ser um grande magneto para atração de capitais externos, em virtude de liberdade de mercado e proteção do direito de propriedade.Em matéria de crescimento smithiano, o Brasil nas décadas perdidas regrediu, ao invés de progredir. Nossas exportações já chegaram a representar 1,4% do comércio mundial e hoje não atingem 1%, e nossa "margem internacional" (representada pela soma de exportações e importações) de em torno de 15% do PIB é baixa não só pelos padrões europeus e asiáticos, mas mesmo no contexto latino-americano. A impressão de exagerada abertura comercial após os planos Collor e Real é até certo ponto uma ilusão de ótica. É que a abertura (em si modesta) coincidiu com a sobrevalorização do câmbio, que subvencionou importações, e com o uso incompetente das salvaguardas previstas na OMC contra distorções comerciais oriundas de subsídios e dumping (não soubemos aplicar tempestivamente direitos compensatórios e tarifas antidumping).Nosso desempenho em matéria de crescimento shumpeteriano tem sido também medíocre. A herança cultural não é das mais favoráveis. Portugal e Espanha, que tinham atingido excelência tecnológica na era das grandes navegações, ficaram subsequentemente à margem da grande revolução industrial a partir do século 18. Das raças latinas, os italianos preservaram capacidade inventiva, e os franceses, vigor científico, com desempenho superior ao ibérico, tornado este excessivamente conservador pela contra-reforma religiosa. Mas essa tradição cultural pouco favorável à inovação foi agravada por nossos erros comportamentais, dois dos quais se agravaram na década de 80. O primeiro foi a política de autonomia informática, que representou uma autocastração tecnológica. E o segundo, a ampliação dos monopólios estatais, que inibiram a absorção de tecnologias e capitais externos (inclusiva de tecnologia gerencial).Há também ilusões sobre o desenvolvimento tecnológico. Ele pode ser alcançado tanto pela invenção de novos métodos como pela melhor utilização do cabedal tecnológico disponível. E a criatividade tecnológica depende da existência de uma ecologia favorável: massa critica universitária, mercado mobilizável (interno e externo) e capacidade de investimento. Não se cria tecnologia por decreto. E não há como escapar à lei dos três estados: a tecnologia é primeiro imitativa, depois adaptativa e só ulteriormente criativa.Quanto mais a gente reflete sobre a teoria e prática do desenvolvimento, mais a gente se convence de que todos os conhecimentos acumulados desde que Adam Smith publicou, em 1776, sua inquirição sobre as causas da riqueza das nações são pouco mais que uma nota de rodapé. A fórmula do desenvolvimento é simples de enunciar e difícil de executar: governo pequeno (pois o motor do desenvolvimento é o setor privado); impostos baixos (pois o governo é mau alocador de recursos); respeito à propriedade física (para estimular a acumulação) e intelectual (para premiar a inventividade); e abertura internacional para o comércio, para investimentos e para a tecnologia. O resto é pirotecnia matemática (dos teóricos) e conversa fiada (dos práticos)...

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